Entrevista – Ana Paula Antunes Martins
08/08/2016A superação da violência doméstica é um dos grandes desafios das políticas públicas no país. A Lei Maria da Penha, que completou 10 anos no dia 7 de agosto, representou um marco importante nessa luta. A pesquisadora em feminismo e relações de gênero e também colaboradora da fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem) pela Universidade de Brasília, Ana Paula Antunes Martins, que participou do IV Encontro Estadual da Lei Maria da Penha no MPES, comenta o tema nesta entrevista. Confira:
Nesses 10 anos da Lei Maria da Penha, o que mais mudou em prol das mulheres?
A Lei Maria da Penha permitiu a visibilização de violências que aconteciam na esfera privada, no âmbito das relações íntimas, domésticas e familiares e garantiu que o Estado desenvolvesse políticas públicas específicas para mulheres em situação de violência. Então esse é um legado muito importante dessa última década, que foi muito marcante, em virtude da existência de políticas e de equipamentos que não existiam antes da Lei Maria da Penha. São mais de mil espalhados por todo o Brasil, como os núcleos de enfrentamento à violência doméstica do Ministério Público, delegacias da mulher, centros de referência de atendimento à mulher, serviços de saúde especializados, os núcleos especializados das defensorias públicas e as varas de violência doméstica e familiar contra a mulher, que compõem a rede de atendimento a mulheres em situação de violência.
O que ainda falta mudar e fazer na Lei Maria da Penha?
Os principais desafios da Lei Maria da Penha dizem respeito a dois aspectos. O primeiro é ampliar o conceito de mulheres, pois a gente precisa levar em consideração as mulheres transgêneras, que são sujeitos de direito e muitas vezes sofrem violações de direitos semelhantes ou até mais graves do que as mulheres cisgêneras, que são as mulheres que têm uma conformidade entre o sexo e o gênero. E me parece que desenvolver políticas e mecanismos de enfrentamento a essas violências, mesmo no âmbito da Lei Maria da Penha, é fundamental. Além disso, o segundo aspecto é quanto às violências contra as mulheres negras. Nessa última década aumentou em 54% o número de homicídios de mulheres negras, ao passo que reduziu 9,8% o número de homicídios de mulheres brancas. Então levar em consideração esses aspectos requer o desenvolvimento de políticas específicas que visibilizem essa questão racial, que é histórica no Brasil.
Por último, eu diria que um grande desafio é a produção de novas masculinidades, no que diz respeito ao desenvolvimento de políticas de gênero que refaçam ou reformulem a forma como os homens são criados e educados, de modo que aspectos dessa educação não culmine em violência como costuma acontecer. Assim o desenvolvimento de perspectivas de gênero nas escolas, e na sociedade como um todo, poderão permitir que homens e melhores, independente da sua orientação e identidade sexual, possam viver com menos violência.
Pesquisas mostram que mulheres sofrem vários tipos de violência, não só a física. A senhora poderia destacar outros tipos de violência que também acontecem no Brasil, de acordo com seus estudos realizados?
A violência física é aquela violência que gera os dados mais expressivos. Os homicídios são expressados no Mapa da Violência e causam muito espanto. No entanto, a violência psicológica, na grande maioria dos casos, precede os homicídios e os casos de violência física. Então, existe um ciclo em que a violência moral, a violência psicológica e a violência sexual, em muitos casos dentro do casamento – com estupros conjugais, precedem fenômenos ainda mais graves que podem culminar em um homicídio. Por isso, muito importante que o sistema de Justiça esteja pronto e é um grande desafio também investigar melhor situações como essas.
Como pesquisadora e especialista do assunto, pode explicar o que é o feminismo?
Boa pergunta! O feminismo é, ao mesmo tempo, uma teoria, um movimento social e também uma ética que impacta na nossa conduta individual e coletiva. Não é uma estratégia de inversão de poder em que as mulheres pretendem submeter os homens às mesmas opressões que vivem. Ao contrário, é uma forma de pensar e de agir que busca maior equidade entre os gêneros. Ou seja, mais igualdade dentro das diferenças.