NOTA – OPERAÇÃO FÓRCEPS
09/11/2016O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), com apoio do policiais militares do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES, deflagrou, nesta quarta-feira (09/11), a Operação “Fórceps”, com o objetivo de desarticular e colher provas relativas à atuação de uma suposta associação criminosa que atua impondo forçosa e ilegalmente a cobrança da “taxa de disponibilidade obstétrica” a todos médicos do ramo da ginecologia e obstetrícia da Grande Vitória.
As investigações tiveram início a partir de representação da 35ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória, direcionada à Coordenação do Gaeco especializada em crimes contra a ordem econômica, na qual se noticiou a existência de médicos e empresários que, supostamente, ameaçam, coagem e boicotam demais profissionais médicos e empresas do ramo obstétrico que não cobram “taxa de disponibilidade” para realização de parto. Os integrantes da suposta associação criminosa agem com a finalidade de dominarem o mercado, eliminarem a concorrência e ajustarem preço fictício na prestação de serviço médico de obstetrícia, podendo, em tese, configurar crimes previstos no artigo 4º, incisos I e II, alínea “a”, da Lei nº 8.137/1990.
No decorrer das investigações também foram colhidas evidências de que parcela da categoria médica resistiu às pressões dos suspeitos sob investigação, inclusive, adotando modelo que aboliu a denominada taxa de disponibilidade e, em razão da resistência ao objetivo do grupo investigado, foram alvos de represálias e representações com pedidos veementes de punição disciplinar perante o Conselho Regional de Medicina, sofrendo, em tese, constrangimento ilegal ao livre exercício de suas profissões.
O grupo investigado passou a se reunir periodicamente e de forma estável, com características de associação criminosa (art. 288 do CP), para forçar e disseminar a cobrança incondicional de taxa de disponibilidade, utilizando o poder econômico e a influência profissional para alcançar a adesão de aproximadamente 200 (duzentos) médicos obstetras, ou mais, segundo relatos de testemunhas.
Os procedimentos adotados pelo grupo contrariam as normas previstas pelo pelo Conselho Federal de Medicina para a cobrança da taxa de disponibilidade, uma vez que: a) apregoam e efetivam a aludida cobrança mesmo em caso de partos de cesárea eletiva (com data e hora marcada, sem que o trabalho de parto tenha iniciado); b) somente informam a paciente da necessidade do pagamento nos últimos meses da gravidez; c) não fornecem nenhum recibo ou firmam contrato; d) recebem tanto da parturiente como dos planos de saúde pelo procedimento de assistência presencial do plano.
Segundo Parecer 39-2012 do Conselho Federal de Medicina, a cobrança somente seria ética quando obedecidas as seguintes condicionantes: 1) início do trabalho de parto; 2) o procedimento tenha sido acordado com a gestante na primeira consulta e formalizado em contrato; 3) o médico não receba simultaneamente pelo plano de saúde e pela paciente para “o acompanhamento presencial do trabalho de parto”.
Há, inclusive, indícios de possível prática de crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP), por meio de falsos registros em prontuários e partogramas, no sentido de que a gestante teria entrado em trabalho de parto, quando na realidade se tratava de cesárea eletiva, sem sobreaviso, fatos que serão devidamente apurados após a análise dos documentos apreendidos.
Dessa forma, acredita-se que milhares de consumidores de planos de saúde, dos quais foi cobrada, além da mensalidade do plano, a taxa de disponibilidade fora dos limites éticos previstos pelo CFM, foram induzidos a erro por afirmações enganosas no tocante a natureza do serviço prestado, o que, conforme o caso concreto, pode configurar o crime contra as relações de consumo previsto no art. 7º, inciso VII, da Lei Federal 8137/90 ou o crime do art. 66 do Código de Defesa do Consumidor.
No mesmo contexto, diligências investigativas realizadas pelo Gaeco possibilitaram a descoberta de incitação e prática de desobediência à ordem judicial proferida nos autos da ação civil pública nº 0041573-93.2013.8.08.0024, confirmada pelo Colendo Tribunal de Justiça do Espírito Santo em sede de agravo de instrumento, que proíbe a cobrança da taxa de disponibilidade aos clientes de um determinado plano de saúde. Tais suspeitas embasam-se no fato de que médicos credenciados à operadora de plano de saúde sujeita à tal decisão, sob a influência e direcionamento dos investigados, continuam cobrando, às escondidas, a “taxa de disponibilidade”, mesmo após proibição liminar na mencionada ação civil pública.
A operação consistiu no cumprimento de 16 mandados de busca e apreensão e seis mandados de condução coercitiva emitidos pela 10º Vara Criminal de Vitória, sendo que essas medidas visam esgotar a apuração dos fatos, bem como dimensionar o montante aproximado de consumidores lesados e vítimas das práticas criminosas sob apuração.
Ao todo, quatro membros do Ministério Público, quatro servidores da Instituição e 27 policiais militares auxiliaram nos trabalhos, consistente na condução dos investigados, busca e apreensão de documentos e objetos, realização de oitivas dos investigados conduzidos e análise da documentação e dos aparelhos eletrônicos apreendidos.
Em resumo, os crimes investigados na Operação “Fórceps” são: associação criminosa (art. 288 do CP); constrangimento ilegal qualificado (art. 146, § 1º do CP); falsidade ideológica (art. 299 do CP); desobediência (art. 330 do CP); crime econômico (artigo 4º, incisos I e II, alínea “a”, da Lei nº 8137/90) e contra as relações de consumo (art. 7º, inciso VII, da Lei Federal 8137/90). As penas máximas, se somadas, podem atingir o patamar de 20 (vinte) anos e de prisão.
Por fim, registra-se que a investigação foi denominada de “Fórceps” por se tratar de um instrumento médico utilizado para forçar a extração do feto, quando a parturiente não consegue expulsar naturalmente o bebê e, guardadas as devidas proporções, as ações criminosas sob apuração têm o objetivo de forçar e induzir médicos a cobraram, de forma indiscriminada e ilegal, a taxa de disponibilidade médica de parto, lesando inúmeros consumidores que se encontram em situação de fragilidade.
Fotos da operação: