[MÊS DA MULHER] Precisamos falar de feminicídio

No “Mês da Mulher”, é importante refletirmos sobre o feminicídio, um dos graves problemas do país. O Brasil é o 5° país que mais mata mulheres apenas por elas serem mulheres, sendo 13 assassinatos por dia, segundo o Mapa da Violência de 2015. A cada 90 minutos, uma mulher é morta pela condição de gênero, em grande parte das vezes dentro de suas casas, na frente dos filhos.
 
Ciúmes, traição, separação, disputa pela guarda dos filhos ou até mesmo não concordar que a mulher trabalhe fora são alguns dos “motivos” para esses crimes bárbaros. A maioria dessas mulheres fazem parte do que chamamos de “ciclo da violência”, que começa com uma discussão, passando por ameaças, depois xingamentos, lesões corporais leves e mais graves até culminar no feminicídio.
 
O feminicídio é um crime que choca e afeta toda uma sociedade. Por isso, é cada vez mais urgente a mobilização de todos para combater a violência contra a mulher e promover a igualdade de gênero, incluindo os homens.
 
Para falar mais desse tema, entrevistamos a promotora de Justiça Giselle Albernaz, da Promotoria da Mulher de Vitória. Somente no mês de março, a promotora de Justiça atuou em quatro julgamentos de feminicídio em Vitória, obtendo condenação em todos os casos.
 
Na opinião da senhora, por que o feminicídio é ainda um dos grandes problemas do Brasil?
 
Em verdade, o feminicídio reflete o pensamento e o tratamento destinado às mulheres pela sociedade brasileira, que vem de uma concepção, desde a sua formação, essencialmente patriarcal e, consequentemente, machista. O problema, portanto, está na raiz, mas só depende de todos nós para mudar. Assim, por existir tamanha desigualdade, seja social, histórica e culturalmente é que a violência contra a mulher ainda impera no Brasil.
 
Quais são as qualificadoras do crime de feminicídio?
 
O feminicídio é uma qualificadora do crime de homicídio (art. 121, do CP). Essa qualificadora foi inserida pela Lei 13.104/15 e está prevista no inciso VI, do §2º, do art. 121, do Código Penal.
 
Prevê o referido inciso que o homicídio contra a mulher cometido por razões da condição do sexo feminino eleva a pena para 12 a 30 anos, tendo o homicídio simples (art. 121, ‘caput’, do CP) a pena de seis a 20 anos. O §2º-A, do mesmo artigo (art. 121, do CP), inserido pela mesma lei, dispõe que se considera que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar (o que remete aos conceitos da Lei 11.340/06) e quando há menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
 
Por que há tanta dúvida, por parte da população, sobre o que é feminicídio?
 
O que se percebe é que, quanto ao conceito do crime, não há dúvida. Tratam-se dos mesmos crimes previstos no Código Penal (homicídio, lesão corporal, ameaça, estupro, furto etc). O grande problema reside na aplicação da Lei 11.340/06.
 
Isso porque a Lei Maria da Penha exige que, para que se caracterize a violência contra a mulher, ela seja baseada no “gênero”. E os Tribunais também não se entendem quanto à incidência, ou não, da referida lei, produzindo decisões conflitantes, exigindo requisitos que a lei não exige, tornando a missão do aplicador da lei bastante difícil.
 
Na opinião da senhora, como a sociedade tem lidado com esses casos?
 
No meu entender, houve uma evolução muito grande produzida pelo debate e pela divulgação da Lei 11.340/06. Partir de uma punição traduzida em cestas básicas (antes da Lei Maria da Penha) a efetivamente uma pena que faça o agressor ver que sua atitude não é mais aceitável na sociedade é um grande desafio.
 
É claro que ainda falta caminharmos muito. Mas, de qualquer forma, os primeiros passos já foram dados e, nesse ponto, importante ressaltar o trabalho feito pelo Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Ministério Público (Nevid), que, desde o início, promovia debates, cursos para policiais militares e civis, trabalhava com a agredida, sempre exortando os órgãos a implementar políticas públicas afirmativas em defesa da mulher.
 
Nesse sentido, percebe-se uma necessidade de trabalhar mais próximo à sociedade. Nessa pauta do júri de Vitória, por exemplo, houve um caso emblemático, onde uma mulher matou sua companheira (relação homoafetiva feminina) e, de acordo com a Lei 11.340/06, há incidência da lei e se traduz em violência doméstica contra a mulher. Contudo, apesar de explicada a lei, a doutrina e a jurisprudência para os jurados, não houve o reconhecimento de que se tratava de feminicídio, demonstrando a dificuldade da sociedade perceber o feminicídio nesses casos.
 
 
A sociedade tem acompanhado mais de perto os julgamentos?
 
Nem sempre. Infelizmente, a população só acompanha os casos que recebem a atenção da mídia e estes são, geralmente, os casos que acontecem nas classes média e/ou alta. Os casos, como eu costumo dizer no Plenário de Júri, das pessoas que aparecem para a sociedade.
 
Os casos das pessoas “invisíveis”, daquelas pessoas de classe baixa, moradores de rua, usuários de droga, são, geralmente, esquecidos ou sequer contados à sociedade.
 
A senhora acredita que precisamos de novas leis, de tipos penais próprios?
 
Acredito que não. Não creio que o crime, por si só, iniba a conduta delituosa. Uma prova disso é que os fóruns se encontram cheios de processos que envolvem a violência doméstica e que, mesmo depois da inserção da qualificadora do feminicídio no crime de homicídio, o número de morte de mulheres não diminuiu.
 
O que é necessário fazer para diminuir os índices de violência contra a mulher?
 
Acredito que o debate, que a discussão entre os vários atores da sociedade e a punição rápida são os fatores que levam à diminuição da violência contra a mulher no contexto doméstico.
 
E não só no mundo jurídico. É preciso que toda a sociedade deixe de ver a mulher como um “objeto”, que as propagandas respeitem as mulheres, que seja reconhecida a capacidade intelectual da mulher, enfim, que haja um tratamento igualitário em todas as áreas.