[ENTREVISTA] Violência contra a mulher: “Precisamos levar o tema às escolas e às famílias”
22/08/2018Comemorando 12 anos da Lei Maria da Penha, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (Nevid), realizou o “VI Encontro Estadual sobre a Lei Maria da Penha: violências contra as mulheres e as interfaces com a saúde”. Uma das palestrantes do evento foi a promotora de Justiça Érica Verícia Canuto, do Ministério Público do Rio Grande do Norte, que falou sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Em entrevista concedida, ela abordou questões importantes como a educação de gênero e políticas de enfrentamento à violência. Confira:
Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres são ainda pouco debatidos. Qual a reflexão que a senhora gostaria de trazer para a sociedade?
Isso leva a muitos absurdos, como crimes de assédio, estupro e abuso sexual. Quando a gente não debate, não estuda, não promove a educação de gênero, principalmente em relação às questões de sexualidade, pode propiciar que esses crimes aconteçam. Assim também ocorre com a violência obstétrica*. Poucas mulheres sabem, mas uma em cada quatro delas sofrem esse tipo de violência.
* Tratamento humilhante, agressões verbais, recusa de atendimento, privação de acompanhante, realização de intervenções e procedimentos médicos não necessários são alguns exemplos de violência obstétrica.
A Lei Maria da Penha completou 12 anos. Quais são os principais avanços e quais as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres e pela sociedade?
A Lei Maria da Penha é fabulosa, é uma das três melhores do mundo. O principal desta lei é o sistema de proteção integral. Incentiva a mulher a procurar ajuda e a protege em relação a uma nova agressão e ao risco de feminicídio. No entanto, ainda precisamos fortalecer o nosso sistema de garantias, os serviços da lei, para melhor atender essa vítima, principalmente no que diz respeito à prevenção. A gente precisa levar o tema às escolas e às famílias para desconstruir a cultura machista, misógina.
A senhora vem participando de encontros internacionais sobre Direitos da Mulher, inclusive foi uma da seis brasileiras convidadas para participar de evento na ONU em 2014. Qual a análise referente à violência contra a mulher no Brasil e nos demais países. Há alguma diferença?
Nos países onde a desigualdade de gênero é menor, quando há, por exemplo, mais mulheres em espaço de poder, de decisão, a violência é proporcional. Então, quanto maior a igualdade, menor a violência. Isso que se tem notado em nível internacional. Não basta uma lei forte para punir a violência na questão de gênero, porque a gente vai ficar apenas na ponta do iceberg, vai ficar só enxugando gelo. O que a gente precisa é de políticas públicas de enfrentamento à violência e à desigualdade de gênero.
O MPRN foi pioneiro entre os MPs do país ao implementar um centro de reeducação do agressor, o “Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz”, que tem sido muito bem-sucedido. Como tem sido essa experiência?
O grupo já funciona há seis anos e é voltado para homens que responderam a processo judicial de violência doméstica. Eles são convocados para participar de dez aulas, de duas horas cada, que abordam a Lei Maria da Penha, direitos humanos das mulheres, violação de direitos humanos, sexualidade, controle da raiva e da agressividade e uma série de outras questões que estimulam a reflexão sobre a própria masculinidade, violência de gênero e comportamento sexual abusivo. Em seis anos, nenhum homem que participou do grupo voltou a cometer crime de violência contra a mulher, ou seja, reincidência zero.
Qual mensagem a senhora gostaria de deixar para a sociedade?
A gente tem uma excelente oportunidade de influenciar nossa cultura, principalmente dentro de casa, não tratando desigualmente as crianças, os meninos e meninas, sem criar estereótipos de gênero. Elas devem ter uma educação igualitária, com rotinas, tarefas, responsabilidades e brincadeiras iguais. Essa mesma educação deve permear também as escolas, grupos comunitários e espaços de poder.