[ENTREVISTA] LGBTfobia: “Eu sonho com um dia em que as pessoas simplesmente respeitem o outro”
30/08/2018Avanços na pauta da diversidade sexual, a inter-relação com os direitos humanos e o Pacto de Combate à Homofobia no Espírito Santo foram temas colocados em debate no III Seminário Direito à Diversidade Sexual. O evento foi realizado na última sexta-feira (24/08), pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) e da Comissão de Direito à Diversidade Sexual (CDDS).
“Eu fico muito feliz de estar nesse lugar como coordenadora da comissão e também por sermos um grupo. Estamos no nosso terceiro seminário e avançamos muito em busca de vários direitos”, comentou a coordenadora da CDDS, procuradora de Justiça Célia Lucia Vaz de Araújo.
O promotor de Justiça e dirigente do Ceaf, Pedro Ivo de Souza, destacou a importância de firmar e efetivar os direitos da população. “Não há seres humanos sem direitos, não há sociedade sem direitos. Em todas as dificuldades que passamos nessa vida, seja o que for, não podemos jamais desconsiderar e deixar de amar o próximo. Que saibamos ouvir o que precisa ser ouvido, discutir e propor ações concretas”, destacou.
Em entrevista, um dos palestrantes do encontro, o diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis, destacou a importância de uma educação que ensine a respeitar a todas as pessoas, o papel de apoio do Ministério Público para a comunidade LGBTI+ e a gravidade dos crimes praticados contra essas pessoas. Confira:
Qual a importância de realizar um seminário de diversidade sexual aberto à comunidade?
O Ministério Público é nosso guardião da Constituição e dos Direitos Humanos, e isso é importante para sensibilizar e capacitar a todos para entender que estamos em uma sociedade de Direito, com uma Constituição Federal que diz que todos somos iguais perante a lei e não deve haver discriminação de qualquer natureza. É muito importante esse respaldo, o Ministério Público é umas das instituições mais respeitadas no nosso país e, quando ele realiza um seminário desse porte, a gente tem a guarita, nossa guarda, nossa tábua de salvação. O Ministério Público também é reflexo da sociedade e esse é um momento de sensibilização, de estabelecer discursos, narrativas e de fazer cumprir as leis que temos em nosso país.
Qual os principais desafios da comunidade LGBTI+?
O primeiro grande desafio é educar a todos para que respeitem as pessoas que são e pensam diferente. A maior dificuldade que eu vejo é as pessoas quererem que você seja aquilo que elas são ou pensam, tentam impor questões a partir da sua religiosidade e concepções de mundo. Nós somos totalmente diferentes na maneira de ser, mas somos iguais em direitos. Acho que não precisa nem aceitar, porque aceitar é uma questão de coração e é difícil aceitar todo mundo, mas é preciso respeitar as pessoas como elas são, sempre dentro dos parâmetros das nossas leis. Eventos como esse criam respaldo cultural de respeito, não queremos nem menos nem mais, queremos direitos iguais.
Qual os principais crimes de homofobia e qual o perfil das vítimas?
A violência é um problema gravíssimo, principalmente nas escolas. Hoje, 73% das crianças e adolescentes LGBTI+ sofrem bullying por não estarem no padrão heteronormativo. Cerca de 60% se sentem inseguros e 37% sofrem violência física. Já pensou você apanhar dos colegas por ser o que você é? Isso é muito triste. Isso faz com que tenhamos 8% a mais de possibilidade de suicídio, um problema grave. E temos os assassinatos bárbaros, que hoje está em torno de 5.800 casos de assassinatos com requinte de violência pelo fato da sua orientação sexual e da sua identidade de gênero ser diferente da convencional. Muitas vezes isso vem de setores religiosos e fundamentalistas da sociedade, muita gente propaga essa questão do ódio. E nós temos que propagar o contrário: o respeito, a cidadania e os Direitos Humanos de todas as pessoas.
Quais países podem nos inspirar em relação aos direitos LGBTI+?
Um país nota 10 é Malta, depois são os países da Escandinávia (Dinamarca, Suécia e Noruega), a Holanda e a Suíça. Nesses países, todos os direitos são garantidos. Malta é onde mais existem direitos, inclusive as crianças aprendem na escola a respeitar a todos, os que têm deficiência, negros, religiosos, etc. Eu sonho com isso, que um dia as pessoas simplesmente respeitem o outro, não tentem impor os seus valores a ninguém. Eu vejo que isso é um desafio, a educação. É muito importante a imposição da lei, mas a educação seria mais eficaz. A nossa Constituição é uma das melhores do mundo nas garantias de direitos, e o Ministério Público tem esse papel, de questionar, cobrar, e tem nos ajudado muito.
Qual foi o objetivo de elaborar o Manual de Comunicação LGBTI+ e qual a sua importância?
O jornalismo é a primeira profissão que tem em seu código de ética o respeito pela orientação sexual das pessoas. É o jornalista também que faz a ligação entre as instituições e a sociedade em geral, e seria muito bom ele entender os conceitos da população LGBTI+. Então, fizemos o Manual com definições curtas, desenhos, tudo bem explicado. Porque às vezes a pessoa não é preconceituosa, não discrimina, mas ela acaba cometendo erros por falta de informação, inclusive o lema do nosso manual é “troque seu preconceito pela informação correta”. Estou muito feliz com o resultado, já estamos na nossa segunda edição e resolvi fazer também uma série de manuais sobre educação, saúde e cultura LGBTI+.
Participantes do evento:
O seminário contou ainda com a presença do subprocurador-geral de Justiça Institucional, Alexandre Guimarães; do presidente do Conselho Estadual LGBT, Fábio Freitas; da representante do Conselho da Diversidade Sexual de Cariacica, Cristina Moreira; da consultora política e militante do movimento negro e LGBT Janaína Barbosa de Oliveira (palestrante); do defensor público estadual e secretário de Estado de Direitos Humanos, Leonardo Oggioni Cavalcanti de Miranda (palestrante); e da coordenadora do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (Nevid), promotora de Justiça Cláudia Regina dos Santos Garcia; além de diversos membros do MPES e representantes de movimentos LGBTI do Estado.