Os 30 anos da Carta Magna brasileira e a evolução do Ministério Público nos textos constitucionais

O cenário era de abertura política. A Ditadura Militar terminara três anos antes da promulgação da Constituição que prometia restabelecer os ideais democráticos no Brasil. Em 5 de outubro de 1988, após 20 meses de debates e estudos, a Constituição Cidadã foi promulgada com o objetivo de garantir à sociedade as liberdades antes reprimidas. Em 2018, a Carta Magna brasileira que emancipou o Ministério Público dos Três Poderes (executivo, legislativo e judiciário) completa 30 anos, já recebeu mais de 100 emendas e busca combater os abusos de poder, enquanto o país vive transformações no âmbito político, econômico e social.

O debate em relação a Carta Magna começou em 1985, mas a Assembleia Nacional Constituinte foi instaurada apenas um ano antes da promulgação. O deputado Ulysses Guimarães foi responsável por comandar o processo de elaboração do documento. Participaram 559 parlamentares (72 senadores e 487 deputados federais) e foram coletadas 72.719 sugestões de cidadãos de todo o país, dentre outras 12 mil sugestões dos constituintes e de entidades representativas durante a Assembleia Nacional Constituinte. A democracia retornava para o povo brasileiro, que novamente poderia escolher seus representantes por meio de eleições livres e diretas para presidente da República, governador, senador, deputado, prefeito e vereador.

A Constituição de 1988 libertou o país do autoritarismo e restaurou os ideais democráticos para a população brasileira. O Ministério Público foi o órgão que passou a representar um importante papel no funcionamento do Estado e na garantia da democracia. Apesar de possuir status constitucional desde 1934, no qual foi desenvolvido para garantir uma estrutura eficaz e reorganizar a unidade política desarticulada, foi apenas em 1988 que a instituição foi definida como um órgão de cooperação nas atividades governamentais, e não atrelado ao Poder Judiciário.

Em 1934, o Ministério Público, dependente dos outros poderes, valorizava os interesses oligárquicos e a manutenção da ordem jurídica. A partir de 1988 e até os dias atuais, a instituição busca, de forma autônoma, garantir os direitos sociais, os direitos da população e atua como um fiscal da lei vigiando os Chefes do Estado e a efetivação das respectivas atribuições.

O promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), Valtair Lemos Loureiro, destacou a atuação do Ministério Público como um verdadeiro fiscal da perpetuidade da federação, da Separação de Poderes, da legalidade e moralidade pública, do regime democrático e dos direitos e garantias individuais. “A Constituição Federal de 1988 moldou um novo perfil para o Ministério Público que passou de defensor do ‘Poder’ para defensor da ‘Sociedade’, pois de acusador criminal e de interveniente em algumas ações cíveis o órgão transformou-se em instituição permanente, essencial ao regime democrático”, afirmou.

O principal direito do cidadão, de acordo com o promotor de Justiça do MPES Hermes Zaneti Junior, é ter uma agência independente capaz de investigar e proteger os direitos fundamentais. E essa agência é o Ministério Público. “Os poderes de investigação do órgão são amplos, justamente porque ele atua na defesa da sociedade. Essa amplitude de poderes faz com que a instituição possua uma responsabilidade dupla, a de investigar em profundidade e zelar para que na investigação sejam respeitados os direitos fundamentais dos eventuais investigados”, explicou. O Ministério público, ainda de acordo com o promotor de Justiça, é hoje no Brasil a instituição com os mais amplos poderes e a maior capacidade de tutela dos direitos fundamentais, tanto na esfera criminal quanto na civil, coletiva e dos diversos direitos sociais que a Constituição reconheceu.

As transformações no âmbito político, econômico e social do Brasil também contam com a atuação do Ministério Público. Por ser o defensor do regime democrático (art. 127 da CF/88), é função do órgão, segundo o promotor de Justiça Valtair Lemos Loureiro, ser fomentador de políticas públicas. “Além de fiscalizar, o Ministério Público pode atuar repressivamente, com Ações Civis Públicas, Ações Civis por Atos de Improbidade Administrativa e Ações Penais, assim como de forma extrajudicial, com uso de instrumentos jurídicos que permitam diálogo com a sociedade e com os agentes públicos, tais como: audiências públicas, notificações recomendatórias, termos de ajustamentos de conduta e outros”, informou.

O promotor de Justiça Hermes Zaneti Junior enfatizou que, para atender os anseios da sociedade, a instituição está em permanente transformação. “O Ministério Público tem se programado, previsto mudanças na infraestrutura e na conformação das atribuições dos promotores de Justiça. Também promove constantes eventos de atualização dos promotores de Justiça através do CEAF (Centro de Aperfeiçoamento Funcional) em áreas que há novidades no ponto de vista do Direito e social”, contou.

Veja a linha do tempo do Ministério Público na Constituição.

As revoluções da Constituição de 1988

Após um período marcado pelo autoritarismo político e abuso de poder pelos militares no governo, a Constituição de 1988 foi moldada em um caráter mais humanitário, promovendo transformações nos direitos sociais fundamentais. O documento permitiu o voto aos jovens a partir de 16 anos e garantiu novas conquistas a mulheres, negros, índios e pessoas com deficiência.

Movido pelo ideal da igualdade, o documento tornou todos os brasileiros iguais perante a lei, possuindo direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade.  Uma das principais revoluções foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, todos os Estados e municípios devem possuir um sistema integrado de atendimento à saúde ao qual todo cidadão brasileiro, e até mesmo estrangeiros, têm acesso. A Constituição Cidadã também definiu a educação como dever do Estado, introduziu a defesa do consumidor como direito fundamental, garantiu o pleno acesso à cultura e reconheceu a importância da biodiversidade ao dedicar um capítulo inteiro ao meio ambiente.

Ricardo Gueiros Bernardes Dias, professor do curso de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e especialista na área de Direito Constitucional, reflete sobre a grande quantidade de previsões que a Constituição Cidadã possui. “A partir do momento que se instala uma democracia, surge um desejo muito grande em prever muitos direitos. Por essas razões, a Constituiçãoficou muito grande, tanto que é uma das maiores constituições do mundo em número de palavras. Acabou prevendo muita coisa, até mesmo assuntos que poucas constituições tratam, como o divórcio”, explicou.

De forma crítica, o professor Ricardo alegou que um dos maiores problemas da Constituição Cidadã é a falta de aplicabilidade. “Acredito que boas leis existam em toda parte, mas a questão é se elas são cumpridas. É muito fácil dizer que todas as pessoas são iguais perante a lei, mas sabemos que não é assim que funciona. A verdade é que boa parte das leis escritas na Constituição não são efetivadas na prática”, afirmou.

Quais os pontos principais de mudança da Constituição de 1988?

“Um dos mais importantes feitos da Constituição Cidadã foi dar independência e autonomia ao Ministério Público, que antes não tinha. O órgão era vinculado ao poder Judiciário e isso era muito ruim para o país. Exigiu que todas as decisões judiciais e administrativas fossem fundamentadas; antes decisões podiam ser tomadas sem argumento algum. Por mais que muitos elementos da Constituição não sejam aplicados na prática, foram criadas muitas leis boas que se espelharam na visão da Carta”, comenta o professor Ricardo Gueiros Bernardes Dias. 

Atualmente quais os princípios norteadores do Ministério Público?

“Com a Constituição Federal de 1988, foram atribuídos ao Ministério Público princípios constitucionais da unidade, indivisibilidade e independência funcional. (Artigo 127, §1° da CF). De acordo com o princípio da unidade, o Ministério Público deve ser visto como um só órgão, sendo que sua divisão será meramente funcional. Pelo princípio da indivisibilidade é possível que um promotor de Justiça substitua outro, dentro da mesma função, pois cada membro fala em nome da instituição. O princípio da independência funcional trata-se da autonomia que cada membro do parquet possui para o exercício de seu mister”, avalia o  promotor de Justiça Valtair Lemos Loureiro.