MPES, instituições de Justiça e Governo do Espírito Santo pedem bloqueio de R$ 10,3 bi da Vale e BHP
27/09/2022Objetivo é garantir recursos para atendimento de municípios da zona costeira capixaba que, até hoje, quase sete anos após o desastre, ainda não são atendidos pela Fundação Renova
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), a Defensoria Pública da União (DPU) e o Estado do Espírito Santo peticionaram ao Juízo da 12ª Vara Federal pedindo a expedição de ordem judicial determinando que todos os programas, projetos e ações em execução pela Fundação Renova incluam os municípios indicados na Deliberação nº 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF). Pede-se também que, para garantir o cumprimento efetivo da ordem judicial, seja determinado o bloqueio judicial de R$ 10.340.000.000 nas contas da Vale e da BHP Billiton.
A Deliberação CIF 58, que trata das áreas estuarina, costeira e marinha impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão, determinou a inclusão de comunidades localizadas no Espírito Santo, a partir de Nova Almeida até Conceição da Barra, dentre as quais, 21 pertencentes aos municípios de Aracruz, Linhares, São Mateus e Serra. Desses municípios, apenas Linhares havia sido considerado atingido na época da assinatura do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) em março de 2016.
No entanto, o próprio TTAC previu que não se descartava a possibilidade de que impactos ambientais e socioeconômicos em outras comunidades pudessem ser identificados no futuro e incluídas no rol dos impactados, em face da evolução dos estudos e melhor delineamento dos fatos, o que a Deliberação 58 efetivamente veio a fazer em 2017.
Mas a Fundação Renova ignorou essa Deliberação e nunca lhe deu cumprimento. O próprio CIF chegou a expedir outras quatro deliberações notificando a Renova e aplicando sanções por causa do descumprimento da Deliberação 58, mas não obteve retorno. “O MPES tem trabalhado diuturnamente nesse caso buscando a reparação de todos os capixabas atingidos. Essa petição tem a conotação de resgatar o prejuízo que os atingidos do Estado do Espírito Santo sofrem há quase 7 anos com o descaso das empresas Vale, BHP e Samarco, bem como a Fundação Renova, com o reconhecimento do amplo impacto havido no território capixaba com o rompimento da barragem da Samarco”, avaliou a promotora de Justiça do MPES e coordenadora do Grupo de Trabalho de Reparação do Rio Doce, Elaine Costa de Lima.
“Ao longo dos anos, as empresas e a Fundação Renova simplesmente desconsideraram os municípios litorâneos de seus programas. Passados sete anos do rompimento da Barragem de Fundão, a área costeira/litorânea nunca foi atendida por ações de recuperação. Pode-se usar de maneira enfática a palavra ‘nunca’, porque pode até ser que em um ou outro programa específico tenha ocorrido alguma ação pontual em município litorâneo, mas essa ação foi esparsa e não é digna de nota dentro do cenário que o desastre acometeu no Espírito Santo e diante da omissão das empresas e da Fundação Renova”, afirmam os autores da petição.
“É importante lembrar que, conforme nota técnica expedida pelo ICMBio, em conjunto com o Projeto Tamar, a visualização por sobrevoo e de imagens de satélite mostraram que a pluma sedimentar atingiu com diferentes intensidades e concentrações toda a região costeira do Estado do Espírito Santo, sendo que a área compreendida entre o município de Serra e a divisa com o Estado da Bahia foi a mais atingida, pela presença frequente da mesma”, pontuou o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva.
Estudos
A partir dessa identificação territorial, a petição cita diversos estudos realizados nas áreas estuarina, costeira e marinha, que apontaram os graves danos, associados e decorrentes direta e indiretamente do rompimento da barragem de Fundão.
Um desses estudos, realizado pelo Instituto Latec em 2020, identificou concentrações significativas de Arsênio (As3+ e As5+) e Mercúrio (MeHg) em grande parte das amostras de água e solo avaliadas. Segundo o relatório, de modo geral, todos os pontos amostrais avaliados apresentaram contaminação, porém, os pontos que apresentaram maior incidência de contaminantes foram os pontos colhidos em Santa Cruz/Aracruz – foz do Piraquê-Açu; no estuário do rio Doce; na porção marinha da foz do rio Doce; em Pontal do Ipiranga e em Guriri, dentre os quais, os pontos Santa Cruz/Aracruz – foz do Piraquê-Açu, Pontal do Ipiranga e Guriri.
Além disso, laudo pericial produzido por perito nomeado pelo próprio Juízo Federal, no curso da Ação Civil Pública n° 1000412-91.2020.4.01.3800 [que trata da segurança alimentar do pescado no rio Doce, desde Minas Gerais até a sua foz e a região marítima no Espírito Santo, e dos produtos agropecuários irrigados com água do rio Doce], apontou que o consumo do pescado originário dessa região apresenta preocupação devido à presença de substâncias tóxicas originadas do rompimento da Barragem de Fundão.
Também o monitoramento feito para acompanhar o programa do Manejo de Rejeitos, que atua na foz do rio Doce, no município de Linhares e na zona costeira entre os municípios de Aracruz (rio Riacho) e São Mateus (rio Barra Nova), identificou o incremento da concentração dos elementos ferro (Fe), vanádio (Vn), alumínio (Al), zinco (Zn), arsênio (As), cádmio (Cd), chumbo (Pb) próximo à foz do rio Doce e manganês (Mn), dentre outros, em comparação à situação pretérita.
Em outro estudo, a Fest/RRDM explicou que “o conjunto de alterações observadas nos organismos do Baixo Rio Doce sugere que a passagem do rejeito de minério impactou uma condição de habitat fragmentado na calha do rio e em relação aos seus afluentes. No caso dos Ambientes Costeiro e Marinho, também existe o reflexo do que acontece na bacia hidrográfica como um todo.”
Esse relatório ainda destacou que os impactos não são pontuais têm abrangência espacial em uma escala regional, afetam toda a cadeia alimentar (cadeia trófica) e têm duração permanente, especialmente nos ambientes dulcícola e marinho e “que a evolução temporal do comportamento esperado para um evento da natureza do rompimento da Barragem de Fundão está em pleno curso sobre o meio ambiente”.
Graves prejuízos
As instituições de Justiça e o Estado do Espírito Santos destacam que, na verdade, a contaminação por metais pesados é apenas “um dos vários impactos causados no litoral do Espírito Santo pelo rompimento da Barragem de Fundão. Turismo, economia, relações sociais, entre outros, tudo isso foi impactado pelo desastre, tendo ocorrido o “comprometimento do trabalho, a perda dos meios de subsistência, o comprometimento no consumo de alimentos, as alterações negativas da vida em sociedade”.
Segundo a petição, diante do imbróglio artificial gerado pelas empresas para furtarem-se das obrigações reparatórias nos municípios da região costeira do Espírito Santo, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizou amplo estudo, que demonstrou com clareza os diversos impactos e danos sofridos na região costeira adjacente e as correlações com o rompimento da Barragem de Fundão.
De um lado, identificou danos materiais e imateriais, relacionados a renda, trabalho, subsistência, alimentação, relações sociais e culturais. Por exemplo, no que se refere à renda, trabalho e subsistência, a FGV aponta que “o desastre gerou e ainda gera, profundas alterações na atividade pesqueira, haja vista a perda de área prioritária para pesca marítima (pela proibição determinada por decisão judicial) e a diminuição da captura de espécies onde ainda é possível realizar a atividade (no mar, no rio, nos estuários e mangues). Somada a isso, a insegurança em relação à qualidade da água e do produto ofertado afastou compradores, diminuindo a renda dessa cadeia produtiva como um todo. Esse mesmo receio diminuiu o fluxo de pessoas que visitavam a região como turistas, reduzindo a renda advinda de toda estrutura de comércios e serviços ligados a essa atividade segundo as informações obtidas nos materiais pesquisados. Ainda, nos locais onde há atividade agropecuária, a alteração na qualidade da água gerou diminuição da produtividade de plantações, mortandade de animais e perda de locais de dessedentação que, aliados ao receio da contaminação, culminaram em diminuição dessa atividade, além da redução do extrativismo de espécies da flora local utilizadas para confecção de artesanato e para uso medicinal e religioso”.
“É óbvio que os danos são complexos e fazem parte de uma cadeia de interrelações”, afirma o procurador da República. “Assim é que a diminuição da pesca e da agropecuária e o receio da contaminação geraram maior dependência de produtos adquiridos em mercados e aumento dos custos de vida, que aliados à queda da renda, levam a aumento da insegurança alimentar e nutricional nessas comunidades. Além disso, o risco e a percepção de risco pela contaminação ambiental, associados à proibição, restrição e/ou insegurança de acesso aos espaços marinhos, estuarinos, rios e lagoas, levaram à interrupção de uso desses espaços onde eram realizadas práticas culturais, religiosas e de lazer”.
A análise feita pela FGV sobre o perfil de renda e trabalho das pessoas atingidas que constam do cadastro da Fundação Renova evidenciou que em todos os cinco municípios a média da renda do trabalho e a massa salarial mensal após o desastre foram reduzidas ao menos para aquém da metade. “Quando verificado panorama mais amplo, a FGV estimou que, apenas no acumulado dos anos de 2015 a 2017, os municípios da região costeira, no melhor cenário projetado, acumularam perda no PIB na ordem de 10 bilhões de reais”.
Assim, os autores da petição afirmam ser evidente que “as áreas apontadas pela Deliberação nº 58 do CIF sofreram significativos impactos ambientais em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, sendo imprescindível a adoção de medidas concretas, céleres e enérgicas voltadas a garantir a efetiva reparação dos danos naquela região costeira do Espírito Santo”.
Bloqueio
Lembrando que o decurso do tempo desde o desastre, até o momento, mostrou-se vantajoso para as empresas (por despenderem menos recursos anualmente) e que a “demora na execução dos programas é fato notório e pode ser inferida não só pela ausência de inclusão dos Municípios objeto da Deliberação nº 58 nos programas, mas na execução dos programas, que se revela muito abaixo do fixado no acordo e no demandado pela sociedade”, as instituições de Justiça e o Estado capixaba pedem que o Juízo determine o bloqueio judicial das contas da BHP e da Vale no valor de R$ 10.340.000.000.
“Não podemos, após 7 anos, nos contentar que a determinação judicial isolada de que cumpra a Deliberação nº 58/2017 surta efeito. Isso tem que ser somado ao depósito judicial de montante que possa ser usado para reparação/compensação de danos na área litorânea (isso no que toca a danos difusos, coletivos e individuais), somente movimentado por autorização judicial”, justificam os autores.
O bloqueio deverá ser feito nas contas da Vale e da BHP, e não da Samarco, considerando que esta se encontra em recuperação judicial e que suas mantenedoras, respectivamente maior e segunda maior mineradoras do mundo, além de possuírem capital suficiente para arcar com os custos da reparação e compensação ambiental, ao firmarem o TTAC, reconheceram a obrigação solidária de custear as reparações advindas do desastre.