Ministério Público debate tendências de futuro para entender sociedade em transformação

O conhecimento da humanidade demorou 1.500 anos para dobrar pela primeira vez. Agora, ele dobra todo dia. E com a computação quântica bem próxima no horizonte, essa escala será exponencial. O surgimento acelerado de novas tecnologias e as transformações profundas que elas provocam na sociedade, na economia e no comportamento levaram o Ministério Público do Estado do Espírito Santo a realizar o evento “Mais Públicos – Diálogos para o Futuro”, com o objetivo de apresentar aos seus servidores as principais características desse período de mudanças aceleradas e como elas impactam as pessoas. Afinal, um órgão que tem como princípio defender os interesses da sociedade precisa, antes de tudo, estar atento ao funcionamento dessa nova realidade social.

Veja as fotos do evento

Na tarde do dia 14/10, a sede do MPES recebeu os palestrantes Martha Gabriel, futurista e best seller, e Francisco Araújo, antropólogo organizacional e futurista, que falaram sobre avanços, tendências e desafios para o público presente e online em todo o Estado.

Martha Gabriel disse que a função de um órgão é determinada pelo papel que ele cumpre na sociedade e que “se muda a sociedade, muda a expectativa da sociedade, mudam os problemas. E um órgão que serve à sociedade, defende seus direitos, deve entender quais são essas novas necessidades”: “Se você não acompanha, fica em xeque. Para continuar relevante no mundo que vai se apresentando, é fundamental que você se adeque”, afirmou.

Isso porque novas tecnologias trazem benefícios, mas também novos problemas. Um exemplo dado por ela foi o surgimento de máquinas na Revolução Industrial, que resultou em ganho de produtividade, mas também em muito mais operários sofrendo acidentes de trabalho. “Eles não tinham leis de prevenção de acidentes e isso demorou um tempo para se regularizar”, explica, destacando ainda a velocidade das transformações no mundo hoje.

“Temos uma mudança muito acelerada hoje que, se não prestarmos atenção, não entendemos e nem conseguimos enxergar o que está acontecendo. Os impactos dessa busca por conhecimento vão de um contato melhor com a população até a visualização das possibilidades de benefícios da tecnologia do processo em si, como novas ferramentas que ajudam a identificar de maneira muito mais assertiva quais os problemas que a população está enfrentando”, disse.

“Temos que conseguir entender sistemicamente cada transformação, o impacto cultural e o que precisa ser mudado naquilo que temos de aplicação de leis e necessidades”

Martha Gabriel

 
Impacto na área jurídica

Os algoritmos vão impactar a área jurídica e a sociedade está à mercê de uma série de tecnologias que não são conhecidas da grande maioria das pessoas. Quem fez o alerta foi Francisco Araújo.

Os impactos da transformação tecnológica e social vão desde questões como a chegada do 5G e a ampliação da capacidade de processamento de dados até questões práticas do dia a dia, como o aumento na frota de drones e os riscos de novos conflitos relacionados a privacidade, por exemplo.

“O vizinho tem um drone que passa por cima da casa do outro, violando a privacidade. Exemplos como esse representam novos conflitos, e essas linhas de conflitos precisam ser entendidas em toda a sua profundidade. Eventos como esse ajudam no entendimento de como as pessoas estão sendo afetadas. Esperamos que, no longo prazo, esse entendimento dessas novas forças moldando os comportamentos possa ajudar a entender o que é interesse público em cada caso”, destacou.

Aproximação entre MPES e sociedade

A procuradora-geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, Luciana Andrade, ressaltou a importância de parar, ouvir, dialogar e propor ideias e soluções para a evolução.

“Não é no estalar de dedos que será promovida a transformação que desejamos. Mas destaco o imenso trabalho colaborativo para aproximar a sociedade de nós e nós da sociedade”, disse.

“Mudar pode dar medo, mas é a oportunidade de nos levar mais longe. Nosso propósito é ser o centro do diálogo, ouvir e acolher o que essa sociedade deseja, o que a minoria invisibilizada precisa”

Luciana Andrade

 

Francisco Berdeal, secretário-geral do Gabinete da Procuradora-geral de Justiça do MPES, destacou o objetivo do evento: dialogar sobre o futuro da sociedade e como o Ministério Público irá se relacionar nesse novo contexto com a sociedade.

“A ideia é debater como devemos nos preparar para cumprir nossa missão em meio a uma sociedade em transformação. É ser capaz de estabelecer uma visão de futuro, mapear o que pode acontecer e gerar consciência nas pessoas sobre esse cenário”, disse.

Palestras

Confira abaixo os principais destaques das palestras de Martha Gabriel e Francisco Araújo no evento “Mais Públicos – Diálogos para o Futuro”, promovido pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo:

 

MARTHA GABRIEL – “ATUAÇÃO DIGITAL E HUMANA”

– Todos nós fomos configurados nas regras do mundo analógico. Mas a sociedade digital tem outras engrenagens. Todo ser humano que chegou até aqui foi porque se adaptou às mudanças.

– Estamos em uma velocidade gigantesca. O ritmo já era forte, mas a pandemia acelerou ainda mais. Não conseguimos dar conta com nosso cérebro do cenário que está acontecendo.

– Quando a situação está complexa, devemos dar um passo para trás e voltar para o básico. O jogo muda todo dia. E qual é a primeira habilidade que temos que ter no novo jogo? Saber as regras do jogo. Todo dia me pergunto se estou entendendo as regras do jogo.

“Em um mundo inundado por informações irrelevantes, clareza é poder”

Yuval Noah Harari

– O mundo está volátil, incerto, complexo e ambíguo. Essas são as regras do jogo hoje

– Volátil

Mudanças muito rápidas acontecendo em várias áreas, como a forma como se educa, se lê e se comunica. O primeiro impacto da tecnologia é fácil de enxergar. Outras consequências demoram um tempo para serem minimizadas. Um exemplo foi o surgimento dos carros. Muitas pessoas se machucaram e morreram até surgirem as leis de trânsito.

– Incerto

Quando se tem velocidade de mudança muito grande, não existe mais futuro igual ao passado. Enxergar sinais de mudança passa a ser fundamental para tomar decisão de longo prazo com pensamento de longo prazo.

– Complexo

Mais variável. Quando aumenta a complexidade, não conseguimos entender a causalidade. Quanto mais complexo é o ambiente, mais precisamos ser sofisticados. Quem tem melhor resultado é quem se sofistica, quem entende de mais coisas, quem se conecta melhor.

– Ambíguo

Uma mesma coisa tem impactos distintos em pessoas distintas.

– As mudanças vão ser cada vez mais rápidas porque o que causa a mudança é a tecnologia. E a tecnologia muda cada vez mais rapidamente.

– Tecnologias já estão reestruturando o planeta:

  • Inteligência artificial
  • Internet das coisas / 5G
  • Big data
  • Blockchain
  • Robotics
  • Nanotecnologia
  • Impressão 3D
  • Computação quântica (pensamento complexo em velocidade)

– Saber usar a tecnologia nos dá poder sobre tudo o que está ao nosso redor. Mas se não souber usar, não muda nada. Uma pessoa mediana empoderada com a tecnologia correta se torna melhor que o maior expert humano trabalhando sem tecnologia. Se o maior expert usar a melhor tecnologia, fica imbatível.

– Reagir X Antecipar

A gente aprendeu a repetir as coisas do passado. Mas precisamos pegar um espaço da nossa semana para enxergar as tendências.

– Mega trends:

  • Mobile
  • Data economy
  • Real time
  • Social
  • Sustentabilidade
 

FRANCISCO ARAÚJO – “O FUTURO E O INTERESSE DA SOCIEDADE”

– Falar de futuro é mostrar sinais que a princípio parecem dispersos, mas uma vez que se vê a imagem, não tem mais como desver.

– Não é fácil prever o futuro. Grandes especialistas erraram em suas previsões, como Bill Gates, que achou que 640k era o máximo de memória que uma pessoa iria dispor ao longo da vida.

– Por que pessoas erraram tão redondamente sobre o que tecnologia viria a fazer? Porque não consideraram o que as pessoas iriam fazer com essas tecnologias. Com a tecnologia disponível, como isso afeta a forma como trabalhamos? Como nos comportamos? Como afeta as leis?

– Vivemos período de mudança de costumes, de usos, mudança do que é risco. Como defender o interesse da sociedade em um âmbito tão alargado de riscos?

– Novas tecnologias implicam em debates éticos, como as decisões de carros sem motorista em situações de risco de atropelamento e o uso do reconhecimento facial por governos totalitários.

– A Nova Zelândia montou o primeiro orçamento nacional do bem-estar. Isso está alinhado ao fato, por exemplo, de que os apps que mais bombaram nos últimos anos foram os de meditação.

– O governo de Estocolmo criou mecanismos para antever tendências e se orientar frente a diferentes cenários. Por exemplo: determinada tecnologia vai mudar a lei?

– Quando vier a computação quântica, a velocidade da transformação será exponencial. Se você der 30 passos, vai andar 30 metros. Se der 30 passos exponenciais, dará seis voltas em torno do planeta. É uma proporção altamente não intuitiva. E a tecnologia está avançando nessa velocidade.

– Quando a gente muda para o ambiente online, o comportamento humano se altera. Não estamos falando de um novo canal para entregar a mesma coisa. Estamos falando de uma transformação completa da sociedade.

– Uma das ferramentas mais efetivas na redução da concentração de renda foi o Tinder. Com o aplicativo, a quantidade de casamentos interclasse aumentou significativamente. Porque antes as pessoas se conheciam majoritariamente em seu meio social – na academia, no bar, no trabalho, no ponto de ônibus. Com o Tinder, as barreiras geográficas e sociais se romperam e gerou esse impacto de distribuição de renda.

– Curvas de Kondratieff

Os ciclos de desenvolvimento duravam em média 40 anos (ferrovias / aço / petróleo etc). O fator geracional era o responsável por essa mudança a cada quatro décadas, pois é preciso vir uma nova geração que ouve música de um jeito diferente, que trata os filhos de um jeito diferente, que trabalha de um jeito diferente, pessoas que vão tornar possível extrair o novo valor de uma nova tecnologia.

Agora estamos no ciclo de desenvolvimento de computadores e internet, e a curva é exponencial, diferente dos ciclos anteriores. A cada ano e meio, ela dobra. Indústrias são engolidas, vemos revoluções dentro de revoluções.

– Vamos ter que nos reinventar a cada dois anos. Ninguém passou por isso na história da humanidade. E isso é dramático.

– O que veio a partir de 2021:

  • Realidade virtual aumentada
  • Nanotecnologia
  • Biotecnologia
  • Novas formas de energia
  • Robótica
  • Impressões 3D
  • Computação quântica

– Não estamos falando de transformação digital. É a transformação do mundo físico pelo mundo digital.

Tendências:

  • Personalização (fazer um serviço para cada pessoa)
  • Reordenamento das assimetrias de informação (entrar em uma plataforma como Decolar.com e ver todos os preços de passagens)
  • Propósito (a tecnologia vai mudar, os negócios vão mudar. O que vai gerar estabilidade para meu negócio é uma comunidade firme. O que garante isso é um propósito comum)
  • Colaboração (em tempo real com pessoas do mundo inteiro)
  • Otimização de utilizações de recursos (Exemplo: AirBNB)
  • Sincronização de processos
  • Contínuo ajuste entre oferta e demanda (aprendo com meu usuário o tempo todo)
  • Funcionamento em rede (exposto a transformar comportamentos de maneira diferente)
  • Ethos Hacker (Empresas sabem que a tecnologia vai andar mais rápido que o marco jurídico. O Estado não pode e não deve correr como as empresas, mas também não pode ficar para trás. Qual a medida correta?)
  • Convergência (o mundo é infinito, mas a nossa percepção não é. Precisamos de plataformas que unificam nossa visão de tecnologia, de uma interface comum. E o dono da interface acumula um poder colossal, como a Meta)

Tendências na área pública:

  • Investimento em pesquisa e desenvolvimento
  • Digitalização, interação e transparência
  • Foco nas pessoas (atração de cérebros)
  • Parcerias entre governo e setor privado, de cada vez mais novos tipos
  • Incentivos fiscais para desenvolvimento de ciência e tecnologia
  • Foco nos temas estratégicos
  • Sandbox regulatório
  • Análise de tendência de longo prazo
  • Desenvolvimento de um ecossistema financeiro robusto

– É preciso mapear as incertezas e as certezas

– Criação de ecossistemas de inovação. Estados também estão passando a atuar como empresas de tecnologia. Exemplos: Estônia, Japão (que tem plano de sociedade 5.0), Singapura (que tem um Ministério de Futurismo, um órgão oficial para antever tendências)